Comissão defende alterações porque argumenta que o
ensino médio está desgastado, com altos índices de evasão de alunos e distorção
de séries
Não é de hoje que se discutem novas maneiras de
atrair os estudantes de ensino médio e melhorar seu desempenho, com formas mais
efetivas de ensinar os conteúdos. Um passo para um ensino médio mais completo e
articulado foi dado no final de novembro, quando foi aprovado o texto do
Projeto de Lei (PL) 6840/2013, que prevê mudanças na forma como está
estruturado o ensino brasileiro, alterando a Lei 9.394, de 1996, que estabelece
as diretrizes e bases da educação nacional.
O PL propõe alterações principalmente em relação ao
aumento da carga horária e dos conteúdos trabalhados em sua forma de
apresentação aos alunos. No texto, a comissão argumenta que é necessário mudar
o ensino médio pois ele está desgastado, com altos índices de evasão e
distorção de séries - a rede pública brasileira tem uma média de 14,2% de
reprovação e 10,8% de abandono. O atual currículo é considerado ultrapassado,
com excesso de conteúdos que não consideram as diferenças individuais e
geográficas dos alunos. Para a formulação do projeto, foi formada a Comissão
Especial destinada a promover Estudos e Proposições para a Reformulação do
Ensino Médio, que realizou diversas audiências públicas e seminários estaduais
desde 2012 sobre o assunto.
O deputado e relator do projeto, Wilson Filho,
acredita que é preciso atrair os estudantes a continuar na escola até o final
do ensino médio, motivando também os professores a não mais utilizarem o
sistema de “decorebas”, onde o aluno decora a matéria com o único objetivo de
passar no vestibular.
Sete horas diárias
Uma das principais mudanças
propostas pelo texto é que a jornada do ensino médio passe de 2.400 horas,
número praticado atualmente, para 4.200, distribuídas em sete horas diárias.
Para esta medida, o deputado acredita que é necessário que as escolas sejam
preparadas para estar com o aluno por esse período. “Nessas sete horas, os
professores têm de passar o conhecimento e não apenas enrolar. A programação
precisa ser interessante”.
Aqui entra outro ponto importante do projeto: a
mudança nos currículos. Cerca de 80% dos alunos que saem do ensino médio da
rede estadual não vão para a universidade. Para eles, o sistema de decorar
fórmulas e conteúdo para passar na prova de vestibular não irá ajudar. No novo
ensino médio, as disciplinas seriam divididas por áreas do conhecimento, como
já ocorre no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem): linguagens, matemáticas,
ciências humanas e ciências da natureza. Nelas, deverão ser englobados os conhecimentos
da língua portuguesa, da matemática, do mundo físico e natural, da filosofia e
sociologia, da realidade política e social brasileira, uma língua estrangeira
moderna e ainda a inclusão de uma segunda opção de língua estrangeira, e cada
região poderia definir a que melhor se encaixa.
O projeto enfatiza a necessidade de se
transversalizar o ensino, relacionando disciplinas que conversam entre si, para
que as aulas se tornem mais dinâmicas e práticas. Alguns temas, coma prevenção
ao uso de drogas e álcool, educação ambiental e sexual, educação para o
trânsito e temas legislativos como noções da Constituição Federal e do Código
de Defesa do Consumidor, estão citados no projeto para serem tratados dentro da
grade curricular prevista. A criação de novas disciplinas continua precisando
da autorização do Ministério da Educação e do Conselho Nacional da Educação.
A última grande mudança no currículo dentro do PL
se trata do último ano do ensino médio. Os alunos poderiam escolher ênfases em
uma das quatro áreas do conhecimento ou no ensino profissional, de acordo com a
profissão que queiram seguir. O terceiro ano passaria a ser estudado de acordo
com as escolhas dos alunos, mas os assuntos básicos das disciplinas não
deixarão de ser tratados. “Ênfase não é exclusividade, é apenas um
direcionamento para a área escolhida. Se ao final do ano o aluno mudar de ideia
quanto à área que quer seguir, pode refazer no próximo ano com outra ênfase”,
explica o relator do projeto. No ingresso às universidades, fica a cargo das
instituições decidir se também focarão suas provas de acordo com a ênfase
escolhida pelos candidatos no ensino médio.
Ensino profissionalizante
A questão do ensino
profissionalizante ser vinculado ao ensino médio já é prevista em lei, mas,
segundo o deputado Wilson Filho, apenas 14% das matrículas do ensino médio englobam
essa opção. O projeto busca levar o tema à atenção dos alunos. O professor da
Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP) Ocimar Munhoz
Alavarse acredita que o ensino profissionalizante pode ser uma opção. “Os
jovens do ensino médio precisam saber que o ensino superior não é a única
alternativa. Tem muitos postos de trabalho que não precisam de educação
superior”. Alavarse cita o caso dos cursos técnicos. “No Brasil, eles parecem
não ter prestígio social, sendo que cursos técnicos têm maior empregabilidade e
também pagam bons salários”.
O PL também prevê que o Enem passe a ser gratuito e
obrigatório no histórico escolar e ter validade de três anos. O estudante pode
fazer a prova todos os anos se quiser; se no ano seguinte o aluno tirar uma
nota maior, ela ficará no registro para ser utilizada no ingresso a
universidades e em programas como o Prouni.
O ensino noturno também é abordado no projeto:
ficaria restrito a alunos maiores de 18 anos e coma mesma carga horária da
opção diurna, porém distribuída de outra forma: 4.200 horas, divididas em
quatro horas diárias, com duração de quatro anos. As horas que ficam faltando,
seriam estabelecidas pelo sistema de ensino por meio de trabalhos, que poderão
ser feitos a distância. Na realidade brasileira, muitos jovens menores de 18
anos se encontram em situações que os impedem de frequentar a escola durante o dia,
como o trabalho. O deputado explica que as escolas poderiam decidir pelas
exceções. “Uma legislação tem de pensar na maioria absoluta, e a maioria dos
estudantes brasileiros pode estudar de dia. Caso contrário, não conseguiremos
formatar um novo ensino médio”, diz.
O papel do Estado na gestão escolar
Fernando Luis Schüler, cientista
político e diretor geral do Instituto Brasileiro de Mercado de Capitais
(Ibmec/RJ), relembra que é importante que se debata a forma como são geridas as
escolas públicas. “Me parece que a sociedade continua se recusando a reconhecer
a questão mais importante da qualidade do ensino: a gestão. Todos os
indicadores dos últimos 20 anos demonstram uma incapacidade congênita do Estado
de executar de maneira eficiente a gestão escolar”. Para ele, o projeto de lei
propõe uma tese positiva englobando a questão do ensino integral, mas foca no
problema errado: se a gestão da escola for precária, o ensino continuará a ser
precário, mesmo integral, acredita.
Schüler defende o reposicionamento do papel do
Estado na educação, que deveria progressivamente sair da gestão direta das
escolas e atuar apenas como grande agência reguladora e financiadora da
educação. “Nos resultados do Enem 2012, não há, entre as 1.500 primeiras
colocações, uma escola pública estadual. O modelo de gestão brasileiro deveria
ser mais autônomo e despadronizado. Deveria permitir que o diretor consiga
repor um livro faltante ou uma janela quebrada o mais rápido possível, sem
precisar passar por burocracias que não permitem que essas reposições sejam
feitas no mesmo dia. É preciso mais agilidade”, justifica.O deputado Wilson
Filho explica que não há no projeto uma proposta de mudança na gestão, mas sim
indicações ao poder executivo, como a criação de uma modalidade exclusiva do
ensino médio no Plano de Ações Articuladas (PAR), do governo federal, para que
se possa auxiliar melhor os Estados a investir em educação de qualidade.
“Concordo que o Estado não tem condições de gerir as escolas, mas a ideia da
federalização da educação brasileira levanta a questão de saber se o governo
terá como controlar todas as escolas do País. Quanto a administração pelo setor
privado, o tema não entrou no projeto porque se refere a todo o ensino
nacional, não apenas ao ensino médio. Já a questão da desburocratização do
ensino e da gestão, é um tema que pode ser debatido futuramente”, diz.
Próximos passos
O projeto está aguardando a
constituição de uma Comissão Temporária na Mesa Diretora da Câmara dos
Deputados (MESA), que poderá efetuar melhorias no projeto. Após, irá ao
Congresso. Se aprovada, a Lei passa a valer para os novos estudantes. As
indicações devem ser implementadas em um prazo de 10 anos, englobando 50% das
escolas e matrículas e introduzidas totalmente em 20 anos.
Fonte: Cartola
- Agência de Conteúdo - Especial para o Terra
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